Como Stalin reagiu ao Holodomor

Quatro milhões de camponeses ucranianos morreram de fome no Holodomor. A tragédia foi resultado do Plano Quinquenal anunciado por Josef Stalin em 1928. Foi uma das maiores catástrofes produzidas pelo próprio homem em toda a história.

Esse número terrível de mortos não aconteceu porque os planejadores centrais cometeram erros sucessivos ao traçar suas políticas. As mortes ocorreram, em primeiro lugar, porque as lideranças queriam destruir os camponeses deliberadamente. Os kulaks — camponeses um pouco mais ricos que os demais — foram considerados inimigos que deveriam ser combatidos pelo bem da Revolução. Além disso, as autoridades soviéticas se recusaram a mudar de rumo quando a catástrofe se desenrolava e até mesmo adotaram políticas para aumentar os seus danos.

A intenção de destruir os kulaks aparece nas declarações de diversos líderes soviéticos. Em novembro de 1929, Stalin prometeu “uma ofensiva contra os kulaks (…) ficar pronto para a ação e acertar na classe dos kulaks um tal golpe que ela não se levante mais“. Anos mais tarde, ele admitiu em uma conversa com o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, que “foi uma luta terrível” destruir “10 milhões. Demorou 4 anos. Era absolutamente necessário”.

Notícias sobre as consequências das políticas nefastas, como a coletivização das terras e o confisco de grãos, não fizeram com que Stalin e seus colegas planejassem alguma correção das medidas. Durante os meses mais mortíferos do Holodomor, de 1932 a 1933, eles descansavam com suas famílias em mansões de veraneio chamadas de datchas. Essas construções normalmente ficavam na península da Crimeia ou em Sochi, um balneário no Mar Negro.

Nenhum deles cancelou as férias nas datchas para lidar com a urgência das mortes no Holodomor. Depois de receber cartas de funcionários ou mesmo de parentes que foram para a Ucrânia, Stalin desconfiou de todas as mensagens, dizendo que eram “disparates evidentes” ou “contos de fadas sobre a fome”.

Certa vez, Kira Alilúieva, filha de Jênia, cunhada de Stalin, visitou seu tio Redens, chefe da polícia secreta em Kharkiv, que era então a capital da Ucrânia. Quando abriu as persianas do trem, ela viu camponeses famintos com barrigas inchadas seguindo o vagão e implorando por comida. Kira relatou o que viu para Jênia, sua mãe, que contou a Stalin. “Não dê atenção a ela”, respondeu Stalin. “Ela é uma criança e inventa coisas.”

Nadia, esposa de Stalin nessa época, sabia da fome e não aprovava a política stalinista em relação ao campesinato. Em um jantar, quando Stalin brindou à destruição dos inimigos do Estado, Nádia não ergueu a taça. Stalin protestou, sem sucesso. O historiador Simon Sebag Montefiore, autor da biografia Stálin: a corte do czar vermelho, considera que a desaprovação de Nadia na questão da Ucrânia foi um dos fatores que geraram crise no casamento dos dois. Nadia se suicidou com um tiro no peito em 1932, aos 31 anos.

Stalin era um líder teimoso que não mudava de opinião. Em 1932, furioso porque camponeses famintos estavam atacando oficiais comunistas, ele enviou uma carta de sua datcha em Sochi pedindo a dois oficiais do Kremlin, Kaganóvitch e Mólotov, que escrevessem uma nova lei. Ele solicitou uma lei que permitisse fuzilar qualquer camponês pego tentando roubar palhas de cereais. Um mês depois, eles criaram uma legislação contra a “apropriação indevida da propriedade socialista”.

Em seguida, a máquina de propaganda comunista começou a estimular qualquer pessoa a denunciar supostos crimes de outros camponeses, como roubar milho para alimentar a si mesmo e os filhos. Até as crianças eram ensinadas a denunciar o pais à polícia.

Em seu livro Fome da Ucrânia: relatos do front do Holodomor, o jornalista galês Gareth Jones fala sobre um garoto que se tornou um herói nacional porque traiu sua mãe.

Uma criança que denunciou sua mãe à polícia secreta por colher trigo à noite tornou-se uma grande heroína em toda a Rússia. Em todas as escolas, o menino foi elogiado por ter sido nobre o suficiente para trair sua mãe pelo bem do Estado!

Em resumo, Stalin perseverou em seu plano desastroso, desqualificou as notícias sobre os mortos e ainda exigiu medidas que pioraram ainda mais a terrível situação dos camponeses ucranianos. Sua reação só fez aumentar ainda mais a montanha de cadáveres.

Livro “Fome na Ucrânia” no País de Gales!

Philip Colley é filho da sobrinha do jornalista galês Gareth Jones, que testemunhou o Holodomor na Ucrânia. Jones é, portanto, seu tio-avô.

Phil foi um grande apoiador da organização e tradução das reportagens de Gareth Jones, publicadas no livro Fome na Ucrânia.

Ele recebeu um exemplar do livro e enviou um comentário muito simpático, que copio aqui. Estou que não me caibo de felicidade! Parabéns também para todo pessoal da Avis Rara!

“I wanted to say what an amazing job you have done, Duda. Well done! It is excellent. I can see you have been working very hard – it is not easy to choose from so much material and then translate it from the English. Your knowledge of the English language is impressive. I have tried to read some of your commentary (using my rudimentary Latin!) but wish I could understand more. I see you have drawn on Tim Snyder’s and Anne Applebaum’s works which are great. Ray Gamache’s book is also really well researched. I am glad that you have covered all three visits to the USSR, not just the one in 1933. It is wonderful that you have taken your task so seriously and we are very grateful to you for bringing Gareth’s story and writings to the attention of readers in Portuguese. Thank you.

I would also like to say what a lovely physical book it is. The pictures, layout and paper quality are all excellent.

Anyway, thank you again for sending me a copy and congratulations on the great work you have achieved. It is much appreciated.”

Saiu o podcast da Gazeta do Povo sobre livro Fome na Ucrânia!

Já está disponível o podcast sobre o livro Fome na Ucrânia: Os relatos do front do Holodomor, que traz as reportagens do jornalista galês Gareth Jones.

Quem conduz a conversa é o jornalista Jones Rossi, da Gazeta do Povo. O entrevistado sou eu aqui, Duda Teixeira.

Foi uma ótima conversa!

Abaixo, dois links para quem quiser assistir. Aproveitem!

GAZETA DO POVO

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/as-reportagens-que-revelaram-o-holodomor-a-fome-que-matou-quatro-milhoes-de-ucranianos/

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E, só para lembrar, o livro já está nas principais livrarias do Brasil! Se você gostou do filme A Sombra de Stalin, vai curtir.

Jones Rossi e Duda Teixeira conversam sobre o livro "Fome na Ucrânia: Os relatos do front do Holodomor", de Gareth Jones, em podcast da Gazeta do Povo